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Acordo de paz na Colômbia: Política de Estado, não de um governo


O acordo de paz com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) deve ser implementado como uma política de Estado, com visão de longo prazo, e não pode ser colocado em risco por interesses políticos e disputas entre o novo governo, que assumiu em 2018, e o anterior, responsável pela negociação que teve como objetivo encerrar o mais longo conflito da América Latina.

Esta foi a principal conclusão do seminário “Os desafios à paz na Colômbia”, realizado pela Fundação FHC e pela Humanitas 360, com participação do general Oscar Adolfo Naranjo, negociador indicado pelo ex-presidente Juan Manuel Santos (2010–2018), do ex-senador Juan Manuel Galán Pachón e do especialista em crime organizado transnacional e segurança Eduardo Salcedo (...).

Algoritmos para a paz
“Paradoxalmente, esse mesmo grupo político que atualmente considera inconveniente o processo de justiça transicional, em 2005 (durante o governo Uribe) lançou mão de um processo semelhante que foi essencial para desmobilizar grupos narco paramilitares colombianos.”

Eduardo Salcedo, diretor do Global Observatory of Transnational Criminal Networks

Durante sua apresentação, Eduardo Salcedo, especialista em crime organizado transnacional, tráfico de drogas e corrupção, fez um relato detalhado do processo de acerto de contas com grupos paramilitares que se opunham às FARC, mas que, assim como elas, fizeram alianças com narcotraficantes para financiar suas atividades ilegais.

Segundo Salcedo, na primeira década dos anos 2000 o Estado colombiano, na época chefiado pelo presidente Álvaro Uribe, ofereceu a líderes paramilitares a possibilidade de obterem penas máximas de 8 anos de prisão em troca de informações sobre as atividades de suas organizações. O depoimento de apenas um dos comandantes militares, apelidado de “HH”, levou 16 meses e resultou em milhares de horas de gravações com dados sobre responsáveis por assassinatos, desaparecimentos e deslocamentos em massa, identificação das vítimas e localização de seus restos mortais, assim como dados sobre financiadores da atividade paramilitar, incluindo políticos, empresários e traficantes.

“A complexidade do material à disposição dos procuradores envolvidos naquele processo era tão grande que, em 2011, ainda não havia acusações concretas nem sentenças, o que poderia levar ao colapso de todo o processo. Foi então que os investigadores procuraram a Fundação Vortex e nos pediram ajuda para dar sentido àquele mar de informação”, contou o especialista.

Segundo Salcedo, a Vortex criou algoritmos, sistemas de visualização e desenhou plataformas que possibilitaram aos procuradores compreenderem como atuavam os paramilitares, seus apoios políticos e econômicos e a identificar os principais responsáveis, onde ocorreram as violações, quantas e quem foram as vítimas (veja aqui alguns gráficos que ilustram o trabalho).

“Ao final desta tarefa titânica, conseguimos sentenciar não apenas os principais líderes narco paramilitares como também políticos, funcionários e autoridades públicas que os apoiaram de alguma maneira, estabelecendo precedentes jurídicos inéditos no mundo”, disse o investigador, descrito pela revista online norte-americana Ozy como “um Sherlock Holmes do século 21”.

“O sistema judicial da Colômbia, como na maioria dos países latino-americanos, está à beira do colapso, e a consequência disso é que grande parte dos delitos, mesmo aqueles normais, permanece impune. Imagine o que significaria aplicar a justiça tradicional no caso de macro violações que envolvem milhões de vítimas entre mortos, desaparecidos e deslocados, como é o caso colombiano? Seria algo impossível de ser feito”, afirmou o especialista, que também atua como consultor de segurança no México, na Guatemala e no Peru e é membro do Global Observatory of Transnational Criminal Networks.

“Nesta semana, ao apresentar suas objeções à lei estatutária que criou a Justiça para a Paz, o presidente Duque colocou um freio à consolidação da paz na Colômbia. E fez isso de forma extemporânea e desarticulada em relação ao que deveria ser a postura do Estado colombiano neste momento tão crucial”, criticou Salcedo.

Racionalidade
“O grande desafio da Colômbia, assim como de outros países latino-americanos que enfrentam epidemias de violência, é substituir o medo que a população sente pela esperança de um futuro melhor.”

General Naranjo

Durante sua fala, o ex-diretor da Polícia Nacional colombiana lembrou que a América Latina responde por 36% das mortes violentas do mundo, apesar de ter aproximadamente 8% da população mundial. “Somos a região mais violenta do mundo, o que leva alguns políticos a proporem uma política de mão dura contra o crime, admitindo inclusive graves violações aos direitos humanos. Outra vertente do pensamento político diz que o crime é consequência da desigualdade social e da pobreza. Ambos estão equivocados. O desafio é combater a violência e a criminalidade com base na racionalidade, trilhando o caminho do meio”, disse o palestrante, que também exerceu o cargo de vice-presidente da Colômbia (2017–2018).

“Por mais difícil que seja a implantação do processo de paz, trata-se de um ponto de inflexão para a sociedade colombiana e algo extremamente positivo para toda a América Latina. Sem a paz, milhares de pessoas continuariam a morrer no país a cada ano. É preferível uma paz imperfeita à continuação de uma guerra indefinida e sem fim. É inútil pretender eliminar a outra parte. Defender e manter a paz recém-conquistada é um direito, mas também um dever de todos os colombianos”, disse Naranjo (...).


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